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Ricardo Di Carlo

Autor: Ricardo Di Carlo

A Literatura Dramática de Ionesco: Teatro do Absurdo Em Foco 'A Cantora Careca'

18/2/2018 - Ribeirão Preto - SP

Fonte da Imagem: La cantatrice chauve de Ionesco. Design: Robert Massin, 1964.

 

Cada vez mais vemos nos meios de comunicação vemos notícias que nos soam alarmantes em relação a indiferença, a violência, bem como transformações nos modos de nos relacionarmos. Eu como artista-pesquisador tenho observado uma extensa preocupação nos meios acadêmicos, e também nas artes, em suas respectivas produções, com essas transformações histórico-sociais.

O interessante a ressaltar é o de que apesar essa sensação de desalento em relação ao tempo presente, não é exclusividade nossa. E para tratr desse assunto trato, hoje, de um texto da máxima importância para o o teatro ocidental: A "Cantora Careca" de Eugène Ionesco. A peça foi catálogada pela crítica especializada como sendo participante ao movimento do Teatro do Absurdo. 

Para darmos início, ao assunto falemos um pouco do teatro de Ionesco, que é um dos mais revolucionários do século XX, pelo estilo surpreendente e renovador, que remonta aos surrealistas e se fundamenta no inconformismo perante as convenções sociais.

Eugène Ionesco nasceu em Slatina, Romênia, em 26 de novembro de 1912. Passou a infância na França e em 1925 regressou à terra natal. Após graduar-se em francês pela Universidade de Bucareste, voltou para Paris, onde passou a viver permanentemente.

A estréia de La Cantartrice Chauve (1945; A cantora Careca) inaugurou o surgimento de um novo tipo de teatro do absurdo. A partir de frases feitas, lugares comuns e construções gramaticais elementares próprias dos manuais de ensino inglês, que segundo o próprio autor foram a fonte de inspiração desta peça.

Em seu teatro, o autor, transformou seus personagens em grotescas marionetes, cujos diálogos absurdos denunciam a impossibilidade de comunicação no relacionamento humano. Isso é verificado, em outras obras suas, como La Leçon (1951; As Lições), Lês Chaises (1952; As Cadeiras) e Rhinoceros (1959; O Rinoceronte).  Ionesco abordou a questão da incomunicabilidade. Super atual, não é mesmo?

Nos voltemos, agora especificamente a peça A Cantora Careca. Eugène Ionesco nos presenteia com um texto cômico e trágico, tal como é o Teatro do Absurdo. Trata-se de um texto dramático recheado de um surrealismo verbal. Ionesco a classificou como uma “anticomédia em um ato”.

 

Como foi dito acima, a peça foi inspirada num “livro de estudo” ou student’s book para o ensino da língua inglesa, em que apareciam dois casais em diálogos sem sentido informando ao outro casal que eram ingleses, que tinham filhos ingleses, que viviam em Londres e que tinham uma empregada de nome inglês.

Há uma espécie de sacada, em relação a busca por arrebatar a sua audiência. A busca pelo ensino de inglês é grande, então, para os espectadores que em algum momento tenham estudado o idioma, essa informação torna a peça ainda mais interessante e cômica, pelo princípio da "identificação" (elemento clássico da escrita teatral) da peça com a sua fonte de inspiração. Obviamente, esse era um elemento cômico, um gracejo, mas Ionesco expandiu seu argumento retratando a problemática da comunicação, enfatizado a língua, ou mesmo a impossibilidade de diálogo entre as pessoas. Aliado ao subconsciente do estudo de línguas. Algo do tipo: trocar palavras não gera comunicação. Isto é algo mais além.

 

Tal como no student’s book a peça conta a história do casal Smith, que praticamente já não se falam e que recebem outro casal em sua casa, os Martin. Nessa recepção, se estabelecem diálogos insólitos. Tudo acontece no interior da Inglaterra, relatando o dia-a-dia de sua burguesia em decadência.

 

Há um clima crescente de violência onde a empregada Mary, não sabe o que fazer em meio aos diálogos nonsense e hostis que estão se estabelecendo. Com todos esses recursos inovadores Eugène Ionesco nos trouxe A Cantora Careca um texto dessa nova corrente estética teatral do pós-guerra, batizada pelo crítico (ironicamente) inglês, Martin Esslin: Teatro do Absurdo.

 

Interessante ressaltar que o título da obra está totalmente solto no texto. Porém, traduz o sentido da peça, que é exatamente a fala mais sem sentido do diálogo estabelecido entre os personagens. A fala mais aleatória e mais incomum, que demonstra o espírito da dificuldade e da falta de sentido na comunicação - deixando uma mensagem de alerta ou previsão das consequências que podem vir a nascer desse distanciamento e frieza entre as pessoas.

 

A peça traz as características principais do teatro do absurdo: o drama existencial, a problemática social da perda da humanidade reveladas numa expressão inusitada mostrando o real como se fosse irreal, mas com a ironia necessária para estimular a reflexão do público.

 

De acordo com Maingueneau (1989) no Teatro do Absurdo, Ionesco, caracteriza-se pela subversão e contestação dos padrões retóricos convencionais e sua correspondente visão de mundo. É nesse contexto, de subversão do gênero dramático, contexto de descontinuidade, de ruptura das estruturas narrativas, que é escrita A Cantora Careca. A subversão dá-se quando há a apropriação de uma estrutura e seu tipo de enunciação com intenção de anulá-la, sendo que essa desqualificação ocorre no próprio movimento de sua imitação. E, ainda, segundo este autor, a subversão é polifônica por definição, pois mantém uma distância entre duas fontes de enunciação, que ela hierarquiza (MAINGUENEAU, 1989, p.102).

 

Assim, nesta peça, tal como é no teatro do absurdo e suas fábulas, lê-se de um lado a narrativa tradicional, com enredo, com encadeamento lógico (fiel ao encadeamento próprio da narrativa, não preso aos padrões clássicos, porém sem conseguir negá-los completamente) de motivos e situações, cujo discurso revela uma história com significado; e de outro, a desqualificação da narrativa, que no texto em questão é feita por uma voz irônica.

 

Entende-se um texto como sendo fábula pela instalação de atores não humanos na história e atores humanos na moral, e também por este texto ser constituído de três discursos: figurativo, temático e metalinguístico, podendo este último vir de forma explícita ou não.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

IBSEN, Henrik; LION, Luis de Frei. Nova Enciclopédia Barsa Vol 8. Editora: Encyclopaedia Britannica. Rio De Janeiro - São Paulo.

IONESCO, Eugène. A Cantora Careca. Editora: Papirus, 1993.GENETTE, G. Discurso da Narrativa. Trad. Fernando Cabral Martins. Editora: Vega Universidade. Lisboa, 1976. 

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