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Pedro Fagundes de Borba

Autor: Pedro Fagundes de Borba

Pobre, o homem

28/7/2019 - Ribeirão Preto - SP

     O ser humano, neste caso um homem, é constituído por relações sociais.Certamente, quando não o determinam por inteiro, são decisivas para suas percepções, ideias e ímpetos, através delas percebe o indivíduo tudo e é formado. Trata-se de um tipo social, que ainda quando consciente, age de acordo com as relações sociais, uma vez que nelas vive, delas depende. Citando os conscientes uma última vez, tratam-se, sobretudo, de indivíduos que sabem que existem, sem nenhum poder a mais por isso. Os demais, muitas vezes conscientes indiferentes, seguem a vida de acordo com relações, não querendo mais do que isso, logo não sabendo.

     Dyonélio Machado, escritor, psiquiatra e militante comunista brasileiro, compreendia tal forma profunda estes conceitos, que os imprimiu forte em sua literatura, densa e com a indiferença de um psiquiatra perante seu paciente.Sua forma é expressa em romances como "Os ratos" e "O louco do Cati", bem como em seu conto "Um pobre homem", conto de seu livro de estreia com o mesmo nome. O homem rural do conto possui consciência individual, mas simplesmente age de acordo com relações socias, mais nada faz da vida além delas, sem mostrar conhecimento disso. Era um homem de uma única filha, cuja esposa faleceu logo após o parto. Aos dezoito anos, a menina sai de casa com o noivo e se prostitui, sem manifestar, durante dois anos, ensejo de se casar. Enquanto isso, o pai sente um desgosto inenarrável, mas mudo. Era distraído, em parte, pela agricultura, plantando arroz e fazendo seus negócios na cidade. O sócio da firma aonde trabalhava lhe aconselhou dar mais impulso para sua produção. Após escutar reclamações sobre ser terra de vadios, diz para que compre máquinas. A boa firma, confiando naquele homem honesto, trabalhador e econômico, confiando ainda mais no arroz, mandou vir catálogos, pedir preços, precipitar a transação. Por este tempo, uma noite, chegou a filha Nina, doente e chorando. O velho a abraçou e consolou. No dia seguinte, foi a cidade, negociar o trator. Passou o dia e parte da noite tratando do assunto. A filha foi ao arroinho lavar os trapos que ainda tinha. O velho almoçou sozinho, relendo o contrato que assinara, os grandes negócios que teria, e como faria. Teria de modificar a fazenda, tornar uma granja, o trator seria a força central. Os planos bombardeavam sua cabeça, montando uma "granja" interior. Nina estava definhando, tísica. Morreu, no tempo em que o velho acabava de montar o trator. Foi enterrada no cemitério da casa, ao lado da mãe, enterro simples e urgente, poucas pessoas. O trator, quando moveu o primeiro jogo de arados, causou deslumbramento na fazenda. Por esta ocasião, foi procurar um psiquiatra, o narrador do conto. Estava como que dez anos envelhecido, como vergado sob uma grande dor. Sentia a perda da filha. Após conversas, a história se encerra com o psiquiatra perguntando por que não havia chorado a morte da filha, tendo simplesmente enterrado. O velho respondeu , envergonhado e em voz submissa de desculpa que, na época, só pensara na máquina. 

      A consciência do velho o fez querer o que havia de mais forte em cada momento. Sua individualidade em nada diferia de relações e convenções sociais. Ao mesmo tempo em que sentia laços por sua filha, algo socialmente estabelecido e cobrado, sentia-se ambicionado pelos tratores de sua granja. As duas relações eram sociais, não possuindo a alma de seu tipo, nem mesmo ao final, aonde o personagem sente a morte da filha por remorso social, igualmente esperado que aconteça em uma situação como esta. O psiquiatra, o percebendo nesta situação, o chama atenção para a maneira como as coisas com ele ocorreram, para que percebesse como é, terminando o conto com um forte lamento por parte do velho, um lamento ambíguo, pois se parece profundamente triste, não explicita se está realmente sentindo de forma pessoal ou se continua um indivíduo formado por relações e desejos sociais, da maneira como o capitalismo impõe e exige. 

    

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