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Pedro Fagundes de Borba

Autor: Pedro Fagundes de Borba

Encenações

18/8/2019 - Ribeirão Preto - SP

     Em seu conto "O vampiro da aldeia" G.K Chesterton mostra seu detetive, padre Brown, desvendando um caso de aparências, preconceito e assasinato. Na pequena aldeia de Potter`s Pound houve o assasinato do senhor Maltravers, a princípio por ter dirigido um insulto contra o local, tendo sido morto por um dos aldeões com uma pancada na cabeça. Sua esposa, uma atriz, senhora Maltravers, vivia reclusa dentro de casa desde então. O Dr. Mulborough foi chamado para o caso, junto de padre Brown, que foi com ele. Dizia o doutor do início do século XX ser aquela uma aldeia que parecia do começo do XIX. E que podia ter havido relações entre a senhora Maltravers e o filho do pároco local, de acordo com o médico, que dizia não ser um homem muito moderno, o qual falava sobre a aldeia do interior tal como o imaginário a pensa. Aumentava suas suspeitas o fato de ser uma atriz. E viúva. Brown ouve a tudo risonho e não crendo muito. 

     Quando chegam, padre Brown se dedica a conhecer os protagonistas do caso. Portanto, vai atrás deles. Já havia ficado sabendo que Madame Maltravers tinha hábitos que uma aldeia vitoriana poderia considerar inconveniente; e que, como grande parte das atrizes, era católica romana. Após alguns primeiros pensamentos, foi ver o filho do pároco. Filho de Samuel Horner, o nome era Hurrel Horner. Escrevia tragédias, levando a sério aquilo que fazia. Percebeu ser um sofredor, parecia estar sendo devorado por um sofrimento. Quando entrevistou a puritana Miss Carstairs-Carew, tinha os aspectos típicos das mulheres como ela, mostrando para o padre o que já imaginava de Hurrel. Andando por um beco depois, foi esbarrado por um homem que parecia que gritava ter tido as peças roubadas e que o Sr. Maltravers não desaparecera. Ao entrevistar o pároco, este reclamou das mudanças de costumes e ofereceu vinho do porto. Voltou a se encontrar com o Dr. Mulborough, que disse ter encontrado um cadáver repleto de veneno. Depois, vão para a casa do advogado. 

     Entrando, o padre já percebeu se tratar do tipo de advogado que serviria Miss Carstairs-Carew. O almirante, que também lá estava presente, o advogado e o médico se espantam ao saberem que o padre queria defender o filho do pároco, a quem considerava simpático e, ao contrário do que os homens ali presentes imaginavam dele, que era também um bom filho. Vinha sustentando o pai, afastado da paróquia, jamais tinha sido realmente pároco, e parecia ter ainda alguma ligação com ele. Chegou então uma carta do ator que havia esbarrado no padre Brown, aquele que insistia estar brigando com um morto. Afirmou duvidar Maltravers ter sido morto por algum aldeão. Nenhum idealizaria sua aldeia como se fosse um grego antigo. Disse ter sido uma briga entre atores onde, em um trocadilho de língua inglesa, as palavras povoadinho e hamletizinho tiveram a mesma forma. 

     Brown e Mulborough vão até a casa do pároco. O velho estava de pé e o filho sentado, fumando um cigarro barato. Após se sentarem e conversarem, os visitantes afirmando ter Maltravers morrido por envenenamento, Hurrel dá um murro na cara de Samuel e sai. Padre Brown então contou aquele não ser nem pároco nem pai do homem, mas um salafrário que, há anos, vivia à custa de Hurrel. O doutor e o padre voltam para a estação ferroviária. No vagão, Brown diz que, provavelmente, não será por muito mais tempo um caso misterioso. 

    Então inicia a explicação. Os dois eram atores de uma mesma companhia e, no caso da história que encenavam, o personagem de Samuel poderia se passar por um pároco fora de moda. Hurrel e Maltravers, dono da companhia, brigavam por causa da esposa do diretor. Após a briga, é recolhido por Samuel, que lhe deu um copo de vinho envenenado. As investigações iriam continuar. Ao ser questionado pelo médico, padre Brown afirma que começou a suspeitar pelos maneirismos do pároco. Não seguia os trejeitos dos párocos de seu estilo. Demonstrava ignorâncias e uma visão estereotipada do que um pároco anglicano deveria ser. Inconscientemente, percebeu se tratar de um personagem teatral. A mulher nada tinha de perigosa, queria investigações acerca da morte do marido. O filho do pároco não escondia ligação com o teatro. E, por seus atos, o pároco não queria ver a atriz. O assombro estava naquele chantagista vestido de pároco. 

    O caso narrado constitui um caso de encenações não apenas por causa dos atores que serviram de personagens de imaginários difusos e convergentes, mas por tudo aquilo pelo qual era esperado que fosse e constituísse em uma pequena aldeia, como um lugar de valores fixos, atrasados e ferrenhos. Como se fossem de fato orgulhosos de defender aquela aldeia como os gregos e os italianos outrora haviam defendido seus territórios e culturas. Eram pessoas que viviam suas vidas. É certo que existiam mulheres como Miss Carstairs-Carew e pessoas similares, mas que não criavam ambientes como o suposto pelo Dr. Mulborough. Atores se envolveram em uma confusão que parecia de acordo com preconceitos que se tem em relação a aldeias pequenas. Encenações de seus preconceitos, ideiais e visões, cada personagem à sua maneira. E padre Brown soube identificar todas essas falhas e ver o que criava tudo aquilo. 

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