ColunistasCOLUNISTAS

Pedro Fagundes de Borba

Autor: Pedro Fagundes de Borba

O poderoso macabro

22/9/2019 - Ribeirão Preto - SP

    Dentro de relações de poder, como pensam, agem e enxergam pessoas, especialmente homens? A interrogação é interessante de se fazer porque revela, dentro da natureza humana, visões e percepções macabras, mas reais, muitas vezes motivadas por uma profunda falta de caráter, expressa em sua forma mais complexa justamente neste tipo de contexto. O fazendeiro do conto "O cão terá seu dia", de Juan Carlos Onetti mostra isso, bem como os personagens que o cercam, de forma bastante verdadeira e plausível. 

     Seu nome é Jeremias Petrus. O homem vivia uma vida bastante típica do seu tipo social. Após matar um, por ele chamado, almofadinha, deu a seus dobermanns para que comessem o cadáver. Enquanto se encontrava com uma amante em Buenos Aires, soube que havia sido descoberto e o delegado Medina veio falar-lhe posteriormente. Conversaram uma noite e em nada deu o caso. 

     A história sendo basicamente esta, os detalhes mostrados pela narrativa, adicionada à maneira não linear de contar, acrescenta profundidade em cada momento, além de revelar visões e fatos não visíveis de longe. A partir disto, é que se percebem as várias partes ocorridas e, por vezes, o desenvolvimento dos fatos macabros ali ocorridos. 

     A primeira cena narrada é a de Jeremias orientando seu capataz. Este passava pedaços de carne sangrenta ao homem de sobrecasaca e chapéu, que deu aos dobermanns. Não deveria dar comida aos cães, apenas água, ordenou. Devia queimar os documentos. Depois de alguns meses, era para esperar a ordem, poderia ficar com tudo que encontrasse no bolso. Enquanto estava em Buenos Aires, vivendo atividades de rotina, sem paixão, com a amante, soube que já sabiam. 

     Este entendimento começou com a notícia lá alcançando. Ele conhecia que a mulher nua, prisioneira na cama, já sabia. Um jovem milico veio lhe anunciar que o delegado Medina mandava que comparecesse ao destacamento. Respondeu que o esperaria, o dia todo, em sua casa. Medina foi e lá o encontrou. Iniciaram conversa, aonde o que destaca foi que Jeremias Petrus convencera de que estivera em Buenos Aires, longe do assasinato e não estava envolvido. Então enveredaram por conversas masculinas. 

     Os fatos da história interessam por mostrar o que aconteceu. As escolhas narrativas do autor, por outro lado, aprofundam e dão mais detalhes para tais acontecimentos. Petrus torna-se um homem ainda mais desprezível, ao passo que os à sua volta tornam-se cúmplices. Não de maneira simples, não de forma unilateral, mas de convergência. Todos os pontos, atitudes e instituições convergem para a salvação de Jeremias. Outra forma não poderia ser, visto que o fazendeiro é muito poderoso, sem qualquer senso humano, apenas de si. Seu capataz e o delegado Medina, à sua maneira, presos no poder, atuam de maneira que lhe ajuda. A escrita de Onetti passeia por todos estes pontos, os demonstrando na medida certa para contar, a história, os personagens e um tipo de meio. 

Compartilhe no Whatsapp