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Pedro Fagundes de Borba

Autor: Pedro Fagundes de Borba

Fábulas da antiguidade

27/10/2019 - Ribeirão Preto - SP

       Alguns textos, ainda que se mude o contexto histórico e filosóficos em que são escritos, mesmo quando as ideias de sua base tornam-se obsoletas e dadas como equivocadas, continuam sendo relevantes na transmissão de ideias e maneiras de se pensar a existência na vida, pois é possível associar seu conteúdo com algo contemporâneo, ainda que, nem sempre, da forma originalmente proposta pelo registrado. Ainda que os livros religiosos sejam provavelmente o melhor exemplo disto, por se tratarem de algo muito mais delicado, escreverei sobre fábulas, outro tipo de escrito em que isto ocorre. Para isso, recorrerei ao escravizado grego do século VI A.C Esopo, o mais célebre dos fabulistas. 

      Em "O leão e o javali" os dois animais do título estão brigando por uma fonte de água, em luta sangrenta. Ao pararem para recuperar ar, viram abutres esperando morrerem para devorá-los. Decidiram parar a briga, ficarem amigos. A moral é de que disputas expõem ao perigo, sendo melhor acabar com elas. Sendo verdadeiro enquanto for possível alguma conciliação concreta, de fato protege de possíveis perigos externos. Ainda que seja simplista, dá um conselho válido para qualquer contexto. 

      "A feiticeira" se trata de uma mulher que dizia ser capaz de acalmar a ira dos deuses. Sempre tinha clientes e mantinha uma boa renda. Então, fez rituais novos, foi julgada pela justiça e condenada a morte. Na saída, debocharam que acalmava os deuses, mas não pode persuadir os homens. Quem promete mundos e fundos, tropeça em dificuldade tola; a vergonha destrói as falsas videntes. É bem verdade isso, pois, quem o mundo como um todo ignora e somente falsa parte expõe, se não dominar o cinismo e tiver algum escrúpulo, muito possível de acontecer, cairá. 

       "O lobo e a velha" faz uma interessante ironia. Embora o título e até mesmo o enredo lembrem um pouco o conto de fadas "Chapeuzinho vermelho", sua ideia final é diferente. Quando um lobo passava por uma casa, faminto, onde um bebê chorava, ouviu uma velha dizer que, se não parasse, seria pega pelo lobo. Ficou esperando. Mais tarde, enquanto o bebê dormia, a velha disse que, se o lobo viesse, o matariam. Conclui, então, que, naquela casa, diziam uma coisa e faziam outra. A moral é que muitos homens fazem o mesmo. Reflete um sentimento de postura em relação a situações diversas, especialmente perigosas. Falar para induzir algo e fazer ocorrer diferente. Dependendo de quem e como faz, leva a diferentes consequências e ironias. 

        Na fábula "O passarinho e o morcego", um passarinho preso em uma gaiola cantava de noite. Um morcego que ali passava ouviu a voz. Foi até lá perguntar por que descansava de dia e cantava a noite. Respondeu-lhe que, cantando de dia, fora preso. Aprendera a ser sensato desde então. Ouviu que a prudência agora não adiantava nada. Deveria tê-la usado antes de lhe prenderem. Como na vida humana, a prudência pode ser sempre a diferença entre a liberdade, física ou não, e a prisão. Aquilo que se diz pode limitar. Depois, de nada serve aquela ação em contexto preso, a não ser o consolo pela perda do irrecuperável. 

         As fábulas de Esopo mantêm-se relevantes por conseguirem transmitir ideias, serem, de alguma forma, reflexivas para os dias contemporâneos. Nos textos, tanto consegue ir para um lado simplesmente afirmativo e simplista, que desconsidera as complexidades da vida, do mundo e dos humanos, como também para importantes apontamentos em relação a aspectos reais, especialmente aqueles que devem ser evitados através do bom senso. Pela possibilidade segunda, que conseguem manter uma relevância forte. Esopo, como outros autores gregos clássicos, mostra algumas bases da contemporaneidade, algumas das mais intrínsecas aos tempos existentes. 

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