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Pedro Fagundes de Borba

Autor: Pedro Fagundes de Borba

Uns vitorianos

1/3/2020 - Ribeirão Preto - SP

  Excentricidades humanas abarcam muitas coisas, bem como ideias. Sempre associadas a alguma individualidade ou uma visão ideal de um grupo. Sendo as primeiras mais faladas, por chamarem mais forte as atenções, ligadas a alguma individualidade profunda. Ainda que possam parecer meras fantasias, muitas vezes põem questões humanas densas, boas tanto de apreciar enquanto arte até ver retratos de condições. Oscar Wilde, esteticista, dominava seu estilo, com uma grande beleza associada a uma narrativa astuta de grande inteligência. Transformava em estilo artístico certas características e excentricidades da sociedade vitoriana que o condenou a trabalhos forçados pela prática de sodomia, o deprimindo e matando pouco depois, quando já em Paris.

  Em seu conto “O milionário modelo”, fez, com seu grande estilo, uma obra de arte com algumas pessoas associadas às camadas milionárias. Hughie Erskine, herdados do pai uma espada da cavalaria e quinze volumes da história da guerra peninsular, vivia com duzentas libras por ano, remetidas por uma velha tia. Nunca fora uma pessoa particularmente intelectual, nunca falara nada brilhante ou insolente. Fazia uma ótima figura, bela. Era muito popular com homens e mulheres. Trabalhara no mercado de ações, entre ursos e touros lá estava à borboleta, por seis meses, com o comércio de chá, xerez, vinho e, por fim reduziu-se ao nada, um tipo perfeito sem nenhuma profissão.

  Estava apaixonada por Laura, filha de um coronel que tinha perdido o paladar e o bom humor na Índia. Era o casal mais elegante de Londres, sem nenhum centavo no bolso. O coronel gostava de Hughie, não queria saber de noivado. Dizia que somente quando ele conseguisse mil libras.

 Um dia foi visitar o amigo Alan Trevor, pintor que estava pintando a figura de um mendigo. Trevor era um homem de gênio difícil, desagradável mesmo, mas um mestre quando pegava nos pincéis. Começara a gostar ainda mais de Hughie ao perceber sua natureza generosa, inconsequente e alegre. Erskine viu a pintura ao entrar, estava belíssima. Se surpreendeu com o modelo.  Alan Trevor caiu em elogios sobre a pintura. Hughie comentou sobre a miséria do modelo, Trevor replicando que não esperava que um mendigo fosse parecer feliz. Disse, após a pergunta, que pagava cinco centavos à hora para os modelos. Após questionado, disse que iria ganhar uns dois mil guinéus pela pintura que tinha pintado. Hughie falou que os modelos deviam receber uma porcentagem pelo trabalho duro. Trevor negou, dizendo que a arte atingia o trabalho braçal em determinados momentos. Quando Alan foi falar com o fabricante de molduras, o velho mendigo foi descansar em um banco de madeira ali do estúdio, com aspecto miserável. Hughie pensou nele, indo dar algum dinheiro. Eram duas semanas sem condução, mas precisava mais do que ele. Deu-lhe a libra, o mendigo fez um movimento de surpresa e um ligeiro sorriso. Trevor voltou.

 Hughie se despediu um pouco consternado. Passado o dia com Laura, teve uma elegante repreensão por parte dela e teve de ir andando para casa. À noite, no clube dos pintores, encontrou Trevor. Comentou sobre a pintura emoldurada e disse a Hughie ter contado tudo para o mendigo, a quem gratificara. Ficou assustado, achando que encontraria em casa, comentou que ficara mal com toda aquela miséria, devendo vestir melhores roupas. Trevor disse que nunca o pintaria de casaca, pois era um mendigo. Hughie comentou que os pintores não tinham sentimentos. Retrucou dizendo que os artistas retratam o mundo como ele é. E disse que falara de Laura para ele.

  Hughie Erskine ficou furioso por Alan Trevor ter revelado toda sua vida pessoal para aquele mendigo. Trevor disse que era um dos homens mais ricos da Europa, com casa em cada capital, capacidade de comprar Londres e evitar guerra na Rússia, se quisesse. Era o barão de Hausberg, amigo que lhe comprava todas as pinturas e pedira que fosse pintado um quadro seu como mendigo, uma de suas fantasias milionárias. Hughie bradou de raiva, tinha dado a ele um soberano. Alan Trevor então lhe contou que, por ter estado de bom humor aquele dia, ia investir o soberano, prestar contas a cada seis meses e pagar juros, pois gostara dele. Deprimido, Hughie foi para casa, apesar da insistência de Alan. Recebeu, no dia seguinte, um cartão entregue pelo criado, vindo do barão de Hausberg. Hughie achou que era pedido de desculpas. Disse para o criado deixar o visitante subir. Cumprimentou Hughie, disse que vinha da parte do barão. Deu uma carta escrita dizendo ser um presente de casamento, remetida como “De um velho mendigo”. Era um cheque de dez mil libras. Alan Trevor foi o padrinho de casamento, onde fez discurso. Falou que modelos milionários eram raros, mas milionários modelos mais ainda.

   Focando em suas excentricidades, o autor faz os personagens deslizarem pelo meio. Usa seu extraordinário senso estético para criar uma arte maravilhosa, capaz de ser admirada intensamente, pelos atributos presentes somente nas obras de arte, o que garante identidade, valor e, dependendo da interpretação de seu autor, valor de visão, uma forma única de se ver o que ela representa. Olhando a vida e atitudes destes vitorianos, dá um tom artístico para algo da época de Londres, uma matéria prima para momentos cômicos, beleza e uma história a ser contada. É a pura maravilha artística em dialética com o ao redor, lhe garantindo o posto artístico máximo.

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