Autor: Vander Christian

Alguns Nomes

15/3/2020 - Ribeirão Preto - SP

Na realidade, todos nós já fomos chamados de algo que não gostamos. E pior: pelos nossos próprios pais.

— Deixa de ser mole! — gritou minha mãe uma vez, minutos antes da dentista aplicar a anestesia no canto direito da minha boca. Eu era só uma criança, mas mamãe queria que eu já fosse um homem adulto. Queria que eu tivesse a coragem dos personagens dos filmes que passavam na televisão.

Em casa tinha um pé de abacate enorme. Quando chegava a época deles, era preciso colher os abacates antes que caíssem. Tinha que subir no pé. Não sentia menor confiança de pisar em algo que não fosse o chão.

— Deixa de ser mole!

Tinha medo dos galhos quebrarem, mesmo sabendo que eu pesava pouco, se comparado aos outros garotos da mesma idade. Tremendo mais do que os galhos, eu subia morrendo de medo de cair e quebrar o braço.

— Deixa de ser mole!

Nunca fui bom em matemática. Talvez foi a matéria que eu tive as piores notas. Quando levava a atividade para fazer em casa, lá vinha mãe me chamar de outro nome:

— Deixa de ser burro, menino!

Mesmo assim, admirava minha mãe. Ela estudou até a quarta série e, ainda assim, sentava ao meu lado para ajudar, mesmo sem entender nada do que estava pedindo para ser feito.

Muitas vezes, ser chamado de mole e burro me deixou chateado. Um dia, perguntei para um colega se a mãe dele também o chamava assim. Ele disse que além de ser chamado de burro, ainda era comparado com os outros colegas que, na opinião dela, eram mais inteligentes do que ele.

O tempo passou e hoje minha mãe não perde a oportunidade de falar:

— Meu filho é inteligente, sabe de tudo um pouco...

Abro um sorriso tímido; tenho minhas dúvidas quanto ‘’a saber de tudo”.

Outro dia, estava limpando a calha de casa quando ela chegou. Da rua mesmo, gritou:

— Cuidado, filho! Não fica se arriscando aí em cima! É perigoso!

Sorrindo, me lembrei do antigo pé de abacate e de como as coisas mudam com o passar do tempo. Até alguns nomes.