ColunistasCOLUNISTAS

Pedro Fagundes de Borba

Autor: Pedro Fagundes de Borba

Ao ditador

8/11/2020 - Ribeirão Preto - SP

Falar sobre política através da arte garante às características e visões políticas uma forma mais abrangente, um alcance maior, uma melhor demonstração de sua onipresença e amplitude. Tal possibilidade foi bastante explorada pelos músicos e letristas, muito, talvez por ser a música capaz de trazer a tona características fortes das pessoas, fazendo com que se engajem e entendam séries de questões. Durante o período da ditadura militar brasileira, foram bastante usadas como forma de protesto e maneiras de reclamar, por vezes mais velada, por vezes mais escancarada. E, muitas vezes, resultou em perseguição política e exílio para os compositores/cantores. Um dos mais famosos, o carioca Chico Buarque de Holanda, tem várias canções neste tema, tendo passado por tais situações. Verei hoje uma delas, “Apesar de você”.

    Sem citar o general Médici, então governante do país, se refere constantemente ao militar, mostrando sempre a sociedade sob seu governo, a gente falando de lado e olhando pro chão, reprimida e sob censura. Sobre isto constata que hoje ele é quem manda, se falou ta falado e não tem discussão. O que inventou aquele estado, inventando de inventar toda a escuridão e fala que ele que inventou o pecado se esqueceu de inventar o perdão.  E que, apesar dele, amanhã vai ser outro dia, ou seja, o ditador não goza de poder suficiente para impedir o fluir do universo e a vida, fazendo com que sempre venha.

   Então passa a falar de sua derrota com o dia que vem, onde vai se esconder da enorme euforia, proibir quando o galo estiver insistindo cantar, água brotando e gente se amando sem parar. Quando chegasse o momento, seu sofrimento ia cobrar com juros, jurava. Ia pagar para ver o jardim florescer, qual ele não queria. Ia ter de ver a manhã renascer e esbanjar poesia. Queria saber como ia se explicar vendo o céu clarear de repente e impunemente; como abafaria o coro a cantar em sua frente. Ia morrer de rir que esse dia havia de vir antes que ele pensasse.

  Ao se dirigir anonimamente a Médici, sintetizando toda a força autoritária e antidemocrática da conjuntura do mesmo, traz à tona a capacidade de se colocar um contexto de repressão em versos, caracterizando assim pontos mais práticos e sensíveis de tal forma de governar, fazendo com que a população entenda mais amplamente o efeito do governo, as consequências de nele se viver. Sendo ainda letra de música, acompanhada de todos os efeitos musicais, faz com que tenha formas mais envolventes, atraindo mais gente e, portanto, se tornando ainda maior. Tais representações da realidade mexem com os governos ao trazer aspectos relevantes para a população, fazendo com que sejam expandidos os entendimentos, ficando problemático. E apesar dele, amanhã vira outro dia, trazendo novas formas, pela maneira com que são compostos, a população pondo suas características na governança.

Compartilhe no Whatsapp