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Pedro Fagundes de Borba

Autor: Pedro Fagundes de Borba

O senhor justiça

24/10/2021 - Ribeirão Preto - SP

     Se, por um lado, as injustiças e tiranias dos governos podem ser cometidas por vários deles, das mais diversas orientações, ainda assim, os motivos e bases de alguns podem ser bem piores. A injustiça governamental, sempre cometida com apoio e ação de estado, é uma relação e uma consumação de seu projeto, levado a cabo. Um estado que se propõe justo, precisa garantir os direitos da população e o grande debate de ideias, a garantia de uma esfera pública.

     Dentro das estruturas sociais, vivem os indivíduos, em suas complexidades e ações, que podem fazer algo contra as injustiças sociais, políticas ou governamentais. Durante as ditaduras brasileiras no século XX, de Vargas e militar, um homem se destacou na luta por direitos humanos, o advogado Heráclito Fontoura Sobral Pinto. Formado em direito e católico fervoroso, manteve ao longo da vida uma postura de sempre tentar manter a democracia e o debate político, permitindo que várias formas de governo pudessem surgir. Atuou como advogado, defendendo normalmente presos políticos e outras causas ligadas a crimes sociais.   

     Ganhou bastante notoriedade quando aceitou defender Luís Carlos Prestes, ao este ser preso pelo estado novo. O revolucionário, que ficara famoso no Brasil após o movimento tenentista, fora preso com a esposa, Olga Benário, pela intentona comunista, onde tentara implementar um regime socialista, com inspiração soviética.  Tendo pouca adesão, o movimento falhara e foi preso. Embora Sobral tenha feito ações de direito para protegê-lo, não conseguiu soltá-lo.

   Quando Vargas entregou Olga grávida, judia e comunista, para a gestapo nazista, Sobral também entrou em ação. Embora não tenha conseguido evitar a infâmia, conseguiu, através de manobras e acordos judiciais, fazer com que a criança viesse ao Brasil quando nascesse. E assim foi feito. Olga morreu em campo de concentração, mas a filha, Anita Leocádia Prestes, voltou, com a ajuda do Heráclito.

    Durante o período populista, manteve-se trabalhando, defendendo a posse de JK após a vitória deste nas urnas. Quando este lhe ofereceu cargo de ministro do STF, acabou recusando por achar que associariam o apoio a posse com esta oferta. Mesmo tendo dado um curto apoio ao golpe militar de 1964, percebeu o erro uma semana depois do ataque. Enviou cartas a várias autoridades nacionais, condenando o ato e buscando garantir liberdades e direitos políticos.    

      Ao longo do regime, continuou defendendo os direitos políticos, a democracia e o governo civil, ás vezes entrando em maior ou menor confrontam com a ditadura. Continuava mantendo firmemente suas convicções em relação aos direitos humanos e políticos, crendo necessários os debates de todas as esferas e ideologias. Como o governo militar censurava e reprimia isto, fez uma série de perseguições e intimidações ao advogado. Não tinha em seus objetivos a melhora do país ou a diminuição, talvez eliminação, de suas desigualdades sociais. Mesmo que não tenha conseguido burlar ou quebrar muitos requerimentos e atos institucionais baixados durante a ditadura, manteve-se como forte resistência.

        Principalmente em âmbito institucional e nos mecanismos do estado brasileiro, Sobral manteve postura de conservar e usar das formas do governo para conseguir reverter uma série de barbáries e situações cometidas. Ainda que as leis do período não garantissem ou previssem direitos políticos de qualquer natureza, fez uso e defesa daquilo que era certo. Se, em certo sentido, as leis não davam proteção, e eliminado o direito, ainda estavam assentadas sobre alguma estrutura democrática. A qual, em algum momento, acabaria cedendo e obrigando os militares a devolver o governo para o âmbito civil.

          Isto aconteceria apenas em 1985, mas ganhou força nas diretas já, de 1984. Neste grande movimento, Sobral Pinto participou ativamente, através de discursos e apoios, principalmente da construção e restauração da constituição. Manteve sempre seu discurso voltado majoritariamente para a defesa dos direitos humanos, o qual considerava como uma importante base da vida, da necessidade para a política. Mandou várias vezes, durante a ditadura cartas aos governantes a fim de que devolvessem os direitos políticos dos perseguidos. Nas outras vezes, atuava como advogado, defendendo aqueles acusados de comunismo, torturados, presos e mortos.

          Neste proceder do serviço de advogado, fazia valer a justiça, a defesa dos valores institucionais usurpados, roubados e vilipendiados no golpe de 64. Conforme conseguia alguma coisa, já sendo há décadas figura relevante, despertava uma série de iras e raivas. Quando o AI-5 foi baixado, Sobral, então com 75 anos, fora preso. Em sua cela, o carcereiro falou que estavam criando uma “democracia à brasileira”.  Respondeu então que “não existe democracia à brasileira; existe é peru a brasileira, a democracia é universal, sem adjetivos”. Mantinha sempre postura de defender liberdade de expressão e defesa de ideias.

           Tendo encarada a mais horrível e duradoura ditadura que já houve no país, Sobral Pinto se consagrou tanto quanto um grande homem quanto alguém que manteve e trouxe importantes posturas em relação às instituições e os processos passados. Derrubado um presidente eleito, que grandes propostas e reformas tinham para o Brasil, o país passou 21 anos estagnado, suprimido suas esferas, congresso, liberdades e políticas, segurando apenas aquelas que não podiam ser retiradas.  Durante o período, diversas formas de combate ao regime foram feitas, exemplificando: músicas de protesto, guerrilhas, proteção de prisioneiros ou perseguidos. As defesas do Dr. Sobral encontram-se entre as mais admiráveis, por saber como era o estado brasileiro e como deveria ser garantindo as possibilidades e liberdades políticas em todas suas esferas. Esta é uma das grandes ferramentas, algo que o advogado tem de prezar para ocorrer. Ao fazer, se vale das verdadeiras instituições sociais a fim de que seja gerada a sociedade como se procura. Tendo falecido em 1991, aos 98 anos, viveu até o começo do governo Collor, conseguiu ver a volta da democracia.

          Com o ataque realizado ao Brasil durante os vinte e um anos de ditadura, os combates e defesas de Sobral Pinto foram de fato os mais admiráveis. Se não foram tão frontais, foram os mais densos, por agir dentro de processos institucionais. Sabendo da estrutura democrática do estado, a qual defendera a vida toda, usou seus processos e conhecimentos para fazer isto acontecer, mesmo debaixo de perseguições. Se outros abrigaram perseguidos ou ajudaram para que estes não fossem pegos, o advogado mineiro fez suas defesas, respeitando e revivendo as instituições democráticas. A justiça política e social tinha uma grande representação então.

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