COLUNISTAS
Autor: Pedro Fagundes de Borba
Proclamação da república
14/11/2021 - Ribeirão Preto - SP
O dia 15 de novembro marca no Brasil uma de suas maiores datas da política, sua proclamação da república. Tendo sido o único país da América Latina a ter permanecido uma monarquia após a sua independência, rompeu com o sistema em 15 de novembro de 1889. Suas principais razões políticas, além do fervor republicano que crescia cada vez mais no país, desde 1870, se davam entre um descontentamento dos generais brasileiros e jogos das elites cafeeiras paulistas. Os primeiros se sentiam mal recompensados por seus esforços e ações durante a Guerra do Paraguai, os segundos se incomodavam com posturas do imperador Dom Pedro II para com o mercado cafeeiro.
Dom Pedro II foi um governante com muitos altos e baixos. Governou dos 14 anos até sua deposição, aos 64 anos. Conseguiu trazer grandes conquistas ao país através de suas políticas, bem como seu incentivo a ciência e ao conhecimento, atividade da qual era um apaixonado. Se o Brasil já era o país mais forte e poderoso da América Latina antes de seu reinado, se fortificou ainda mais durante o tempo em que esteve no trono. Ainda hoje é o mais forte, por causa também da sua estrutura enquanto país, mais robusta e complexa que os países da América Espanhola.
Ainda que não tenha feito grandes mudanças políticas, conseguiu manter equilíbrios e aumentar, com ajudas, várias políticas e modernizar o país. Sendo um monarca constitucional, herdou um dos poderes mais estranhos que este tipo de governante já teve: o poder moderador. Instaurado por seu pai, Dom Pedro I, previa o poder de interferir politicamente em algo que desagradasse o rei. Seu filho, muito melhor em governo que ele, manteve este poder sobre o qual fez a curiosa declaração de que deixava andar a máquina, pois estava bem montada e nela tinha confiança. Apenas quando as rodas começassem a ranger e ameaçassem parar, colocaria um pouco de graxa. Quanto às eleições para primeiro ministro, ainda que devesse escolher aquele que tivesse a maioria dos votos parlamentares, na prática podia escolher quem lhe parecesse melhor. Essa prática ficou conhecida como parlamentarismo às avessas. Acreditam alguns estas características terem bebido de certas tradições autoritárias na cultura ibérica.
É muito criticado, principalmente pelos setores progressistas, por não ter abolido a escravidão no Brasil. Se de fato não fez decretos mais eficientes, uma série de leis, acompanhadas de pressão internacional, foram sendo criadas, levado a disrupção gradual da prática. Em parte porque, apesar de ter muito mais poder do que poderia em um sistema constitucional, ainda não era um absolutista, precisando ter apoio dos deputados e senadores imperiais, os quais, principalmente os cafeicultores de São Paulo, eram fortemente opostos. Também tem a questão de que a economia brasileira ficava muita em volta do trabalho escravo, precisando que a estrutura fosse desmontada devagar a fim de evitar o colapso nacional. Ainda na época do segundo reinado, em seu final, no dia 13 de maio de 1888, foi assinada a lei Áurea, que, de maneira muito curta, aboliu a escravidão. Sua principal signatária foi a filha dele, a princesa Isabel, após aprovação da pauta pelos legislativos.
Ainda que não quisesse abrir mão de seus privilégios enquanto real, o imperador manifestava certo interesse e gosto pela república, considerando-a um bom governo. Ironicamente, o marechal Deodoro, que coordenou o movimento e assumiu como primeiro presidente da república odiava o sistema republicano. Chegou a proibir que se comemorasse a república no dia que assumiu o governo. Junto com o governo seguinte, de Floriano Peixoto, compôs o período chamado república de espadas, no qual militares estiveram no poder, alternando de forma indireta. O primeiro presidente civil, eleito de forma direta, foi Prudente de Morais, em 1894.
Mesmo que tenha de se considerar as fortes instabilidades políticas que a proclamação acabou gerando, continua sendo algo louvável e bem vista. Isto porque, apesar das qualidades de Dom Pedro II, o sistema não é bom. No caso brasileiro, que contou com algumas facilitações e fatores de autoritarismo, menos ainda. A república velha não conseguiu se tornar algo tão melhor, pelos jogos de poder entre São Paulo e Minas Gerais, e também por outros fatores, como o voto censitário, excluindo formalmente a grande maioria da população. Mas conseguiu, pelo menos, criar maior rotatividade e menos centralidade no poder, ainda que mais em termos formais e institucionais.
Como país formado por raízes coloniais, carrega com isso uma série de problemas e de realidades muito difíceis de superar. Seu território tem demarcações, sistemas econômicos, relações sociais e cultura(s) feita a partir desses processos de achamento, criando um país e uma realidade nacional profundamente marcada por estes processos. Guarda muitas semelhanças com as culturas coloniais, uma vez que foram estes a dominar e a fazer política e colonização por aqui, mas não é igual aos dos países das metrópoles europeias. Este não ser igual faz suas estruturas, relações e sistema político ter as mesmas características fundamentais, mas aplicadas em uma realidade com algumas diferenças.
Foi o único da América Latina a permanecer uma monarquia após sua independência. Porém assim fez com uma coroa própria, o rei sendo do próprio país. Como Dom Pedro I era português, muito se pensa que Dom Pedro II também fosse, mas não. Era brasileiro, nascido no Rio de Janeiro. Desse jeito, fez um governo que via questões do Brasil, lidando com a realidade nacional. Em seus erros e acertos, conseguiu ser um bom governante, ajudando grandes questões do Brasil. Não atingiu questões relacionadas à pobreza ou escravidão, ao menos não de forma tão eficiente, mas conseguiu melhorar coisas do Brasil. Apesar das instabilidades, os republicanos também trouxeram posteriormente, e aprofundaram soluções e instituições para o Brasil, o tornando um país mais complexo e democrático também, mesmo com tantos percalços.
Entre os vários políticos que existiram no Brasil, muitos com posturas e personalidades bastante marcantes, por bom ou ruim, Dom Pedro II continua sendo uma das mais complexas e interessantes. É raro alguém efetivamente não gostar ou não ver qualidades em sua administração. Ainda que seja um forte republicano, como eu. Era um bom imperador, como teria sido um bom presidente. O sistema monárquico é ruim, Pedro era bom. Um futuro sucessor de seu governo, muito provavelmente o Conde D`Eu, marido de Isabel, poderia ser muito ruim, como o conde quase que certamente seria. Mesmo o Pedro I não fora bom governante. A república brasileira, após problemas, melhorou o país. E o povo consegue ter maior controle político desde então. O presidente é alguém colocado pelo voto direto, logo pelas pessoas votantes. O poder fica mais próximo e consegue-se controlar melhor as ideologias e as orientações políticas daqueles que dirigem as posições políticas. Finalmente, se podemos achar o imperador uma figura politicamente interessante, vinha mais da maneira como administrou do que por ser o monarca brasileiro. As instituições e relações sociais que vieram depois ficaram melhores, bastante melhores ao passar do tempo, pelos processos republicanos.
Afirmo então que a proclamação da república foi então um momento decisivo para consolidação de um sistema, impossível de ser feito em outra forma, mas necessário que assim fosse. Imperadores posteriores manteriam o Brasil cada vez mais estagnado e distante de seu povo. Dentro de todos os problemas nacionais, permitir manter o povo cada vez mais próximo do poder é algo sempre a se buscar. Para que se entendam melhor quais e como são, bem como garantir melhores organizações sociais, permitindo justiça e igualdade cada vez mais reais, mais concretas. Saiu um bom imperador, para implantação de um melhor sistema. Apenas com melhoras concretas será possível fazer do Brasil melhor.