ColunistasCOLUNISTAS

Pedro Fagundes de Borba

Autor: Pedro Fagundes de Borba

Negros e africanismo

21/11/2021 - Ribeirão Preto - SP

        Os africanos são aqueles que nasceram na África. O continente africano é de maioria negra, possuindo grandes populações, tanto em suas maiores cidades quanto em áreas mais remotas, mais afastadas. A noção destes como população nativa é real, uma vez que são maioria e que os brancos dos países de lá, tem origens coloniais. Além destas relações de poder de colonialismo, de desigualdade, existe outro forte agravamento, que é as populações negras locais, especialmente as mais costeiras, terem sido levadas como escravas, principalmente para o continente americano.

       Quando a escravidão foi abolida, as populações negras, que tinham antepassados africanos, continuaram vivendo nas sociedades em que outrora foram escravos. Pela questão do racismo e segregacionismo, sobre os quais darei mais detalhes em seguida, sua inserção na sociedade não existiu, ou feita de maneira ruim, preservando e mesmo criando desigualdades em relações sociais com passado escravocrata.

   No caso brasileiro, com a abolição da escravidão, em tese, os negros possuíam os direitos civis dos brancos, ainda que sofressem com discriminação e racismo em relação principalmente a manifestações culturais e espaços na sociedade. Não eram vistos como iguais, ainda que não fossem institucionalmente segregados. Nos Estados Unidos esta questão era pior ainda, porque além de todo o racismo e discriminação gerados pela condição de ex-escravos, ainda se tinha segregação racial, leis pensadas para os grupos. Baseava-se, entre outras coisas, no conceito de raça, reapropriado e ressignificado atualmente, por movimentos negros, mas ainda com esta base racial. O negro norte americano era literalmente visto como outra raça, algo que não fazia parte daquela sociedade, pois não carregava suas características.

       Foi a partir deste contexto, nos EUA, que surgiram os afro-americanos, baseados nesta ideia racial e segregacionista. Além da noção de estes serem outra raça, pra muitos nem gente eram direito, estariam atrelados a outras sociedades, na África, uma vez que seus antepassados foram retirados de lá. Ainda que fossem nascidos nos EUA, a maioria nunca tendo nem visitado nenhum país ou lugar do continente africano, carregariam isto, sendo, logo, africanos nos Estados Unidos da América. Por ser outra sociedade, por isso, precisavam estar segregados, fora dos mesmos espaços que os brancos, estes sim norte americanos legítimos. Os negros brasileiros, por outro lado, embora não tivessem as mesmas oportunidades sociais, eram, em maioria, reconhecidos como parte da sociedade brasileira, à exceção de grupos eugenistas que existiam à época no Brasil.

       A partir do momento que os negros estavam nascidos no Brasil ou EUA, faziam parte de suas respectivas sociedades, sofrendo com as respectivas discriminações, uma série de problemas e questões surgiu muito relacionada com as relações de escravidão e, nos EUA, de segregação posterior. O país da América do Norte tendo abolido a escravidão duas décadas antes, manteve seus cidadãos libertos sobre leis que os separavam dos brancos, por serem considerados de outra raça e etnia “africana”. Mesmo o Brasil tendo sido o último país ocidental a abolir a prática, não fez discriminações institucionais, permitindo sempre o uso coletivo dos espaços. Ainda que tenha embranquecido muitas de suas personalidades negras durante o século XIX e boa parte do XX, não chegou a separá-los.

       No contexto de pós-escravidão, isto ficou ainda mais visível. Pois, se todos eram libertos, com direitos perante a lei, os negros americanos, e em boa parte do mundo anglo saxão também, eram segregados dos espaços brancos, considerados de outro lugar, não pertencentes aos Estados Unidos real, que era dos descendentes de colonos britânicos. Enquanto os brancos seriam os próprios EUA, os negros seriam os africanos, carregando esta etnia que não pertenceria aquele território. Deste segregacionismo, surgem os afro-americanos, que agora esta noção racista e separatista tem sido mais espalhada para outros lugares do mundo, incluindo o Brasil. Pela importância de se lembrar do período e entender as atuais condições desta parcela da população, foi criado o dia da consciência negra no Brasil, afim de que se conheça esta história, a realidade e as culturas e religiosidades que se formaram. A razão principal para existir a data é garantir a lembrança do passado e lembrar as condições e posições dos negros, brasileiros por causa dos antepassados escravos. Agora precisam se tornar plenos e justiçados.

   Anteriormente se comemorava o treze de maio, por causa da lei Áurea, que libertou os escravos. Como não deu grandes condições ou a atenção devida, foi vista como algo menor posteriormente. Em homenagem a Zumbi dos Palmares, líder negro escravo que fundou o quilombo dos Palmares, onde se refugiaram muitos outros que fugiam da escravidão. Viu-se um líder negro importante, idealizando o dia da Consciência negra em 2003. É homenagem ao aniversário de morte do líder, em 20 de novembro de 1695. Portanto, fala de uma grande importância e a lembrança de brasileiros que lutaram contra as injustiças nacionais.   

      Como qualquer outro espaço terrestre, o continente africano é muito marcado pela presença humana, conflitos e disputas. O contato com os europeus tendo se intensificado a partir da escravidão, foi muito marcado pela exploração de seu território e populações. A intensificação deste processo ocorre perto da segunda metade do século XIX, quando se intensifica o neo-colonialismo europeu, que se voltava agora para a Ásia e África. Neste processo é demarcada a maioria das atuais fronteiras que o continente tem, criando-se também as atuais nações africanas. Porem, diferentemente da colonização americana, que dizimou os indígenas daqui, isto não ocorreu por lá. Os negros africanos não foram exterminados pelos colonizadores europeus, até hoje existindo várias regiões da África sendo majoritariamente tribais, com lideranças e caciques locais, mas todos dentro dos países.

      De todos os problemas sociais dos países, o que vou destacar é a África do Sul, o país que sofreu com o apartheid. Sua região abriga o cabo da boa esperança, lugar que foi ponto de referência do território por bastante tempo. O primeiro a cruzá-lo foi o navegador português Bartolomeu Dias, sendo o primeiro a descobri-lo e então seguir caminho para as índias. Foi conhecida como Colônia do Cabo e, até hoje, sua capital é a Cidade do Cabo. Durante um bom tempo, foi invadida por holandeses, que tentaram assentar colônias no local, mas acabaram disputando com os britânicos. Após a guerra dos bôeres, no início do século XX, o Reino Unido assumiu o território.

      Fez mais intensa colonização no espaço, criando clara separação entre negros e brancos, muito baseada na noção de diferentes raças. Tornou-se independente, de fato, em 1961. Sendo o apartheid oficialmente abolido somente em 1994, com a posse de Nelson Mandela, foi um espaço africano muito marcado pela segregação e dominação, marcas profundas até hoje no país. Uma realidade africana que se soma a muitas outras, em vários países, caracterizando verdadeiramente a África. Portanto os africanos são os que nasceram na África e o africanismo são as dobras e consequências da realidade continental, muitas extremamente problemáticas e pobres. Sendo assim, africanos são os que vivem tal realidade e são por ela influenciados, brancos e negros.    

          Ao final, a noção de afro-descendentes é apenas um racismo e uma segregação descarada, que busca separar e alocar pessoas em espaços com os quais não guardam ligações de realidade. Ter descendentes de um determinado lugar não te torna daquele lugar, nem mesmo determina realidade ou cultura. O que determina é onde se nasceu e vive, a realidade, contradições e culturas de lá. Tal noção nada mais é que a importação de um termo estruturalmente racista dos EUA, que considerava de raças diferentes.

          Negros brasileiros ou americanos não são africanos, mas brasileiros e americanos que vivem em tal sociedade e vivem suas qualidades e problemas. Nenhum sentido antirracista faz tentar segregar pessoas a partir de um misticismo inexistente, que pega um passado e o vê como presente, sem qualquer relação verdadeira. Africanos são africanos, brasileiros são brasileiros e americanos são americanos. As contradições, discriminações e desigualdades existem, mas nos respectivos âmbitos sociais e em suas respectivas realidades. Tentar afastar desta realidade as suas características irá apenas causar maior estranhamento e racismo.

 

          

         

 

Compartilhe no Whatsapp