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Pedro Fagundes de Borba

Autor: Pedro Fagundes de Borba

O mito do desenvolvimento chileno

18/12/2021 - Ribeirão Preto - SP

O país latino americano que mais demorou em abandonar a constituição elaborada durante sua ditadura militar foi o Chile. Depois de 17 anos governado por um militar, em 1990, se redemocratizou. As leis e constitucionalidades promulgadas pelo ditador Pinochet, entretanto, não foram desfeitas. Quando, em 2019, começaram ondas de protestos pela precária situação devido ao neoliberalismo, medidas foram sendo tomadas, pelo governo de Sebástian Piñera. Recentemente, a constituição foi abolida, e estão em processos de elaborar uma assembleia constituinte, a fim de criar uma nova, abandonando a elaborada pelos homens do cruel general.

        Durante muitos anos, pelo menos no Brasil, foi muito divulgada a ideia de que o Chile seria o país mais desenvolvido da América Latina. Isso era principalmente motivada pelo laboratório de neoliberalismo que o país foi durante sua ditadura. Querendo testar como poderia funcionar uma superexploração do trabalho, para garantir produção, a ditadura chilena mergulhou o país em um processo de precarização da estrutura social e estatal e aumento dos serviços privados, levando ao encarecimento.

     Acompanhava isto um dos sistemas de repressão e tortura mais brutais que a América Latina e o mundo já viram, liderados pelo tirânico general Augusto Pinochet. Apesar de ter aumentado em níveis estratosféricos as ações e domínios de estado em relação aos direitos, liberdades e cultura, se buscou fazer aumento de ação privada em pontos da economia. Talvez seja este um dos berços da anomalia do político liberal na economia e conservador nos costumes. Através disto, o país usou um sistema do qual tem as essências ainda hoje, adotando o ultraliberalismo.

       Antes do golpe militar, ocorrido em 11 de setembro de 1973, o país era governado pelo socialista Salvador Allende, político experiente, de longa trajetória. O poeta Pablo Neruda, também de esquerda, buscava crescimento na política, esperando tornar-se presidente. Allende mantinha uma postura de mudar do capitalismo para o socialismo de maneira democrática, ou seja, usando mecanismos do estado capitalista a fim de torná-lo socialista. Como parte da operação Condor, foi Allende retirado do poder, durante bombardeio ao palácio de La moneda, em 11 de setembro de 1973. Neruda faleceria 11 dias depois, oficialmente devido a câncer de próstata, mas sempre se suspeita de um assassinato. Assumiu o poder o general Pinochet, que governaria até o fim da ditadura, em 1990.

      Durante seu governo, fez algumas das piores repressões e modos de tortura já vistos, sendo uma das mais, se não a mais, violenta do período. Comunistas, socialistas e outros tipos de esquerdistas foram totalmente perseguidos, mortos ou conseguiram fugir. Nesta total perseguição à esquerda, feita completa apoio à direita. Muito mais que outros países próximos, que mantiveram alguns direitos e estruturas sociais, o Chile apostou em ser o primeiro laboratório do capitalismo que surgiria com mais força a partir dos anos 1980. Adotou e contratou um grupo de economistas, conhecidos como os Chicago Boys, que tinham estudado na cidade homônima, trazendo ideias de liberalismo. As ideias eram baseadas não em liberais clássicos, mas em novas visões econômicas do sistema, que discordavam de ideias originais sobre o papel do estado em estruturas maiores. Buscavam agora reduzi-lo a praticamente nada.

       Apesar de ser um ditador o governante, o papel do estado foi sendo cada vez mais reduzido, se ausentando cada vez mais da economia. A previdência se tornou completamente privada, bem como universidades e sistemas de serviços. O país ficou em abismos sociais enormes, muito por causa de sua austeridade econômica. Alguns suspeitam que o atual ministro brasileiro de economia, Paulo Guedes, tenha trabalhado à época com os Chicago Boys. Desde então, se tornou um dos países mais caros e com sérios problemas sociais.

     Teve forte apoio dos Estados Unidos e do Reino Unido neste processo, que, após os testes chilenos, começaram a aplicar em seus próprios países. Fizeram assim o presidente estadunidense Ronald Reagan e a primeira ministra britânica Margaret Thatcher. Ambos foram bastante destrutivos para seus países ditos de primeiro mundo, resultando em grandes pioras nas qualidades de vida. Uma vez que a União Soviética passava por severa crise, o medo do espectro comunista diminuía. Por consequência, a classe trabalhadora perdia seu poder, pois não havia outra realidade. Então, coisas como o estado de bem estar social e direitos trabalhistas podiam ser cada vez mais minados. Pois, se não há algo que ameace, pode ser cada vez menos justo e equilibrado, jogando para o despotismo. Esta realidade ficou muito visível no Reino Unido, que durante a era Thatcher, viu seus sindicatos perderem força, suas estatais ficarem mais fracas e os trabalhadores terem condições de vida bastante pioradas, resultando em forte ódio em relação a ela que perdura até hoje na Inglaterra.

      Parceira e admiradora de Pinochet, Margaret Thatcher se inspirou em muitas das medidas do ditador para aplicar na realidade britânica dos anos 1980. A admiração era tão forte que o Chile foi o único país da América do Sul a apoiá-la durante a Guerra das Malvinas. E o único a chamá-las de ilhas Falkland. Para completar, após o fim da ditadura, se escondeu da justiça chilena na Inglaterra, sendo bem recebido e protegido por Thatcher. Após várias tentativas de extradição, acordos foram feitos para que retornasse ao Chile em segurança. No breve tempo que o ditador ficou em prisão domiciliar, Margaret Thatcher o visitou. Faleceu ele no ano 2006, em liberdade.

     Ainda que tenha tentado imitar as medidas dos Chicago Boys, o Reino Unido usou por tempo bastante curto tais medidas, voltando a adotar políticas de bem estar social e uso estatal estratégico em suas empresas públicas. O Chile, por outro lado, não. Continuou com sua estrutura neoliberal e austera, prejudicando muito sua economia e organização nacional. Tornou-se um dos países mais caros e difíceis para se viver. As questões mais marcantes, além de fortes limitações econômicas, se dão através de alguns detalhes bem visíveis. Principalmente nas questões de aposentadoria, onde através da falta de uma boa previdência social governamental, levando a caras previdências privadas. O resultado é tão visível que o suicídio de idosos é alto no país, por não conseguirem ter um bom sistema previdenciário. Outro ponto é a questão das universidades serem tão caras que é muito comum passar-se de 10 a 15 anos pagando. O país fica tão fragilizado estruturalmente que a população de fato sente essa questão da dificuldade de se manter economicamente. É uma prova viva dos problemas da austeridade econômica que tanto prejudica e derruba um país. Mais ainda, ver que Estados Unidos e Reino Unido usaram Chile de cobaia para o neoliberalismo, adotaram brevemente algumas de suas políticas, rapidamente voltando para jogos eficientes entre estado e mercado. Tiveram certeza dos problemas de se entregar tudo ao mercado. Mas o Chile continuou tendo de usar esta medida desumana e selvagem.

     Apesar de ser um país um pouco mais distante histórica e culturalmente do Brasil, Chile termina sendo assunto forte aqui, principalmente por causa do mito de seu desenvolvimento. Muito se fala em vários círculos brasileiros sobre uma superioridade ou um avanço chileno, que nunca existiu. Isso é especialmente em círculos ditos liberais nos quais se diz que os Chicago Boys e o neoliberalismo tornaram o Chile desenvolvido. Nada mais longe, pois é um país profundamente caro, com acesso dificultado a uma série de serviços. É, portanto um lugar fraco economicamente com restrição de serviços. Sua moeda encontra-se entre as mais desvalorizadas, sendo um real o equivalente a cento e cinquenta pesos chilenos. E um dólar oitocentos e trinta e três pesos chilenos. Não há um país da América Latina que tenha patamar como os chamados desenvolvidos, mas os dois mais próximos são, respectivamente, Brasil e México. O primeiro mantém estruturas de proteção e bem estar social. O Brasil, embora em franca queda quanto a isto, ainda não derrubou completamente suas estruturas e proteções trabalhistas.

     Com uma estrutura social tão fraca e problemática, os chilenos iniciaram um processo para destruir isto e reconstruir seu país. Em 2019, deram seus primeiros passos, através da alta onda de protestos. Agora estão em vias de elaborar uma nova constituição, que deverá levar Pinochet definitivamente para a lata de lixo da história, onde Reagan e Thatcher já estão. Ao mesmo tempo, um dos candidatos em segundo turno é abertamente admirador do general, afirmando até que se este fosse vivo votaria nele. Até parece que votava em alguém, pra começo de conversa. Seu adversário, Boric, é de esquerda, tendo como ideias melhorar a realidade chilena, através de ver novas estruturações. Veremos se os chilenos realmente vão ir em frente e conseguir melhorar suas condições. Porque assim poderão se tornar um país um pouco mais justo e desenvolvido, eventualmente. Se Kast, o pinochista, vencer, será passo grande atrás. Espero que não. Bem possível que não. Assim, acho que o Chile caminha grandemente para melhorar. Quando um país aprimora suas políticas e consegue promover bem estar à população, faz-se o básico para conseguir resultados e melhoras práticas, reais. Veremos. A farsa do desenvolvimento chileno fica cada vez mais visível.

 

 

 

 

 

 

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