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Pedro Fagundes de Borba

Autor: Pedro Fagundes de Borba

Pensamento do artista

17/4/2022 - Ribeirão Preto - SP

          A arte é a mais misteriosa e profunda das coisas humanas e universais. Ninguém entende o que ela é, mas ela entende o mundo, a vida. Na condição de seres, ficamos contemplando e vivendo, querendo saber o que é e como estamos. Mas isso é apenas uma colocação, uma ideia estapafúrdia a respeito do que pensam e sentem os artistas. Aquilo que as artes colocam ultrapassa todo o entender. E nesse ultrapassar colocam tudo ali abarcado, em níveis, características e realidades impossíveis para outras formas de expressão humana.

          O artista é, antes de tudo, um angustiado. Especialmente os escritores, embora os demais não fiquem atrás. Jamais entenda isso como um sinal de bondade, há aqueles que são absolutamente detestáveis, como Louis Ferdinand Céline, Gertrude Stein ou Alfred Hitchcock. Ainda assim, possuíam talentos. E tinham suas angústias artísticas. E com esse permanente sentimento, que se morrer mata o autor junto, apercebe-se o mundo e apodera-se da grandeza artística. Isso é seu sentimento, não seu pensamento. Esse último se mescla com o primeiro, mas igualmente existe por si, uma vez que o artista também pensa e se pensa. Só que para saber como são os artistas, é preciso consultar outros, bem como suas obras.      

          Então, a arte vem principalmente disto. Pode ter intervenções conscientes e uma moldagem e um aprimoramento, mas começa ali completamente. Arte real é impossível sem algum sentimento ou ideia complexa posta ali da maneira como seu criador a entende. Como disse o poeta americano Charles Bukowski: “o intelectual é aquele que diz uma coisa fácil de um jeito difícil. O artista é quem diz uma coisa difícil de um jeito fácil”. Embora não acerte completamente sobre os intelectuais, captura o que fala o artista com perfeição. Em seus pensamentos, capta o difícil e põe de um jeito fácil. Ali ficam retratadas coisas que mais nada entende ou representa.

         Mas, inegavelmente, é proibido dizer que se conhece o pensamento do artista sem ler “Uma temporada no inferno”, do poeta francês Arthur Rimbaud. Seu poema, de maneira incopiável, põe em termos tanta força, tanta verdade e tanta poesia que torna muito volátil, aquilo que está ali dito fala sobre o artista. O ambiente de agonia, de perda, de dores é tão intenso que descreve aquilo que principalmente quem escreve sabe. O encontro com a arte lhe tira permanentemente o sossego e a capacidade de viver em paz as coisas. E passa infernais sensações durante tudo aquilo. Através de tudo isso, o artista lê e vê como tudo isso acontece e é. Sem a passagem por esse texto, é impossível entender o que pensam e fazem os artistas, principalmente escritores.

          Artisticamente, se entende e percebe o imperceptível para outras. E ainda assim, em termos de criação, é basicamente um sentir irracional que leva a organização e sensibilização para com aquilo que se tem, levando a criação artística. Dentro dessa criação, vem todo o reboque do autor, o que ali é impresso. E que toma vida própria como texto também, embora o escritor continue presente ali textualmente. Mas o fazer vem deste contato forte e irracional com artístico interno, com aquilo que lateja. E isso que permite valor e criação. Novamente, como Bukowski colocou em um de seus poemas: “Se não sai de ti a explodir apesar de tudo, não faças. [...] A menos que saia da tua alma como um míssil.” É algo que está dentro do artista e acaba tendo de sair.  Caso não tenha, não façamos. Porque nada sairá, ou será pura demagogia do escrevinhador.

         Enfim, nisso sempre se busca esse contato, este sentir. A partir dele nos colocamos e criamos nossa arte. Como colocou Gildo de Freitas: “Todo poeta na inspiração expande em rima o que a alma sente”. O que a alma sente não é totalmente compreendida nem mesmo pelo artista, mas é exposta e colocada em sua criação. Mas a partir dela, e dos muitos tormentos e sentimentos Rimbaudianos, nós, os artistas, nos expandidos e colocamos, criando coisas imprescindíveis para a sensatez, sabedoria e criação humana.

     Caso não existíssemos, o mundo jamais se compreenderia ou se abriria para suas mais profundas idiossincrasias. Isso porque, um pouco semelhante a questões de Clarice Lispector, no anárquico pensamento e fluir de ideias que temos tal qual a grande escritora pernambucana. Porque o que se está fazendo é levar a sério sua frase de que: “Renda-se como eu me rendi. Mergulhe no você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender. Viver ultrapassa qualquer entendimento.” Todo esse mergulho é a profunda honestidade que só arte tem. Estará para além do entendimento, apenas colocando o que o artístico entende. Se viver ultrapassa qualquer entendimento, a arte tem o mais íntimo contato com o viver.

        Apenas criando o artista entende o que faz e para onde se desloca. Mas sua criação está relacionada a todo esse contato. Ele falará sobre o que tem, expandindo sempre onde sua imaginação alcança. Terá dores e angústias no processo, mas saberá o que criou. Logo, terá feito e saberá deixar uma marca. Ou apenas falará o que tinha. Um longo processo que vem de tudo isso. Aí é saber como escrever aquilo que veio para ser feito.  O texto irá deixar falas pelo que carrega em si. O pensamento do artista estará expresso em sua totalidade, embora nem o autor o compreenda completamente.           

      

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